sexta-feira, 15 de agosto de 2008

THE RIVAL


If the moon smiled, she would resemble you.
You leave the same impression
Of something beautiful, but annihilating.
Both of you are great light borrowers.
Her O-mouth grieves at the world; yours is unaffected,


And your first gift is making stone out of everything.
I wake to a mausoleum; you are here,
Ticking your fingers on the marble table, looking for cigarettes,
Spiteful as a woman, but not so nervous,
And dying to say something unanswerable.


The moon, too, abases her subjects,
But in the daytime she is ridiculous.
Your dissatisfactions, on the other hand,
Arrive through the mailslot with loving regularity,
White and blank, expansive as carbon monoxide.


No day is safe from news of you,
Walking about in Africa maybe, but thinking of me.


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Tradução: Rodrigo Garcia Lopes, Maurício Arruda Mendonça



RIVAL



Se a lua sorrisse, teria a sua cara.
Você também deixa a mesma impressão
De algo lindo, mas aniquilante.
Ambos são peritos em roubar a luz alheia.
Nela, a boca aberta se lamenta ao mundo; a sua é sincera,


E na primeira chance faz tudo virar pedra.
Acordo num mausoléu; te vejo aqui,
Tamborilando na mesa de mármore, procurando cigarros,
Desconfiado como uma mulher, não tão nervoso assim,
E louco pra dizer algo irrespondível.


A lua, também, humilha seus súditos,
Mas de dia ela é ridícula.
Sua reclamações, por outro lado,
Pousam na caixa do correio com regularidade encantadora,
Brancas e limpas, expansivas como monóxido de carbono.


Nem um dia se passa sem notícias suas,
Vadiando pela África, talvez, mas pensando em mim.



Sylvia Plath

terça-feira, 12 de agosto de 2008

No lotação - Drummond

Com o advento dos rádios transistores, o esporte, os fuxicos internacionais e a música popular passaram a ser nossos companheiros de viagem no ônibus e no lotação. Por isso não estranhei ao ouvir, em surdina, “areia da praia branquinha, branquinha, o vento levou o amor que eu tinha”. Olhando por olhar, não vi aparelho receptor junto ao ouvido do rapaz que se sentara a meu lado, e era junto de mim que a canção abria suas pétalas. O rapaz — moreninho, magro, terno escuro bem passado, de pobre caprichoso — tinha o rosto voltado para a rua, sua boca mal se entreabria. Cantava para fora do veículo e para dentro de si mesmo. Parecia ausente, perdido talvez em extensa praia de areia alva, à procura de marcas de pés desaparecidos.

Depois, cantou “se mil vezes você me deixar e voltar, eu aceito”, e o fez um pouco mais alto. Passageiros viraram o pescoço para ver de onde se exalavam essas falas de amor. Não queriam acreditar que alguém cantasse no interior do lotação. Rádio se tolera. Mas voz humana, próxima, direta? Dois deles fumavam, perto da inscrição que proíbe expressamente fumar no recinto, sob pena de multa. É tão natural desobedecer a uma proibição, como absurdo fazer alguma coisa que não desobedece a nada, mas não foi expressamente permitida: esta, sim, é a verdadeira, sutil infração. O rapaz cantava, sem proibição escrita. Era quase um fenômeno.

Sem dúvida, no espírito de alguns passou a idéia de reclamar. Mas sempre se espera que alguém o faça por nós. Havia o medo do ridículo, a possibilidade de um incidente desagradável. Dizer que o rapaz estava perturbando o sossego dos passageiros seria demais. Que sossego? A viagem é cheia de rangidos, trancos, finos, freadas bruscas, berros de outros motoristas. Ele cometia uma ação inusitada, mas indefinível. Cantava. Cantava por si, talvez por nós, que não sabemos ou temos vergonha de cantar. Até que não cantava mal. “O amor, meu bem, não diz quando vem nem manda avisar ao coração.” Não podendo fazer nada contra o rapaz, uns sorriam, esse sorriso superior dos que sabem que não é direito cantar no lotação, mas que toleram, em nome da boa educação, a falta sonora de educação. Só as mulheres ficaram hirtas e neutrais como se não estivessem ouvindo nada, e portanto não fossem obrigadas a tomar atitude. É admirável nas mulheres esse fazer-de-conta, que lhes confere uma dignidade facial absoluta diante daquilo que elas não sabem como interpretar.

O cantor continuava a exalar o seu cancioneiro de penas de amor, de esperanças e juras cálidas. Sempre alheio à reação dos companheiros de viagem, sempre olhando para a rua ou para além da rua, variando de letras. No Flamengo, calou-se. Tirou o cigarro, acendeu-o devagar, as pessoas começaram a sentir a estranheza do silêncio, afinal não era mau ir para o trabalho ouvindo uma voz razoável falar de ternuras e praias enluaradas. Mas seria arriscado pedir-lhe que continuasse. Ele preferiu assobiar uma das músicas. Não era a mesma coisa. Terminado o cigarro, voltou a cantar, sério, longínquo.

Ao descer no Castelo, tive vontade de tocar-lhe no braço e dizer-lhe: “Obrigado, amigo”. Lembrei-me, porém, daquele grego de “Nunca aos domingos”, que dançava pelo prazer de dançar, e não admitia aplausos. Saí, com a cara mais indiferente do mundo.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Lembrando de "Por que ler os clássicos" do Calvino

ROMEU — (a Julieta) – Se minha mão profana o relicário em remissão aceito a penitência: meu lábio, peregrino solitário, demonstrará, com sobra, reverência.

JULIETA — Ofendeis vossa mão, bom peregrino, que se mostrou devota e reverente. Nas mãos dos santos pega o paladino. Esse é o beijo mais santo e conveniente.

ROMEU — Os santos e os devotos não têm boca?

JULIETA — Sim, peregrino, só para orações.

ROMEU — Deixai, então, ó santa! que esta boca mostre o caminho certo aos corações.

JULIETA — Sem se mexer, o santo exalça o voto.

ROMEU — Então fica quietinha: eis o devoto. Em tua boca me limpo dos pecados. (Beija-a.)

JULIETA — Que passaram, assim, para meus lábios.

ROMEU — Pecados meus? Oh! Quero-os retornados. Devolve-mos.