quarta-feira, 23 de setembro de 2009

E o fim do semestre chegou...com força total.

"Todos estão loucos, neste mundo? Porque a cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas, muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça, para o total."
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Grande Sertão: Veredas - João Guimarães Rosa

domingo, 20 de setembro de 2009

"pequeno espanador de tristezas [a derradeira confissão?]"

(...)
foi com as mãos sujas de restos de amor que estiquei uma madrugada. quando digo a palavra madrugada também sinto um esticão no coração. se agora abuso muito das madrugadas é porque cada uma delas tem restos de amor que eu sempre vou perdendo. qualquer dia acumulo esses restos todos e faço uma construção de amor [talvez chame uma mulher pra se encostar ao outro lado dessa construção]. a palavra amor pode ser um labirinto com mais de catorze lados avessos. depois de esticar uma madrugada encosto a madrugada na minha pele e espero. a pele gosta de ser esculpida de novo muitas vezes na vida.
se puser um «v» na palavra esticar, poderei estivar uma madrugada. aí elevo-me a estivador de madrugadas e posso pensar num caixote com luar, um caixote com geada, caixotes pesados de estrelas, caixotes de nuvens carregadas de pingos, um caixote hermético com lágrimas, uma caixinha de costura com restos concretos de amor.
(...)

Ondjaki. In: Materiais para confecção de um espanador de tristezas.

"o início"

segui a lesma. a baba dela parecia um rio de infância perdido no tempo. escorreguei no tempo.
nesse rio havia um jacaré. a fileira enorme de dentes lembrou-me uma pequena aldeia cheia de cubatas [talvez a aldeia de ynari];
adormeci na aldeia.
ouvi um barulho – era a lesma a sorrir.
o sorriso fez-me lembrar um velho muito velho que escrevia poemas. os poemas eram restos de lixo que ele coleccionava no quarto ou no coração das mãos.
abracei o velho. quase que eu esborrachava a lesma.

Ondjaki. In: Materiais para confecção de um espanador de tristezas.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Sem título

Tinha sentado no chão gelado da cozinha. Em uma das mãos, a insegurança, na outra, a solidão. Os pés de aço da mesa refletiam o medo. Ouvia o silêncio, que só não era maior devido ao tic-tac agonizante do relógio pendurado na parede. Percebia o quanto aquilo havia crescido, se tornado a válvula de escape para as frustrações anteriores. Outro golpe. Maior ou menor, já não fazia a menor diferença, colocaria no mesmo mural, na mesma exposição, na mesma esperança de que na próxima vez ela olhasse com uma maior atenção e pensasse: você já passou por isso antes, não cometa o mesmo erro, é burrice! O silêncio ainda ecoava, o frio retraía cada músculo do seu corpo magro. O cansaço do dia deitava sobre a tristeza da noite, iria acabar como todas as outras: pensativa, debaixo de algumas camadas de cobertor. Achou que seria mais forte... mas não é. Talvez nunca seja afinal, se lembrou de como foi criada, de como acreditava não ser nem um pouco auto-sustentável. O sono aumentava, os pensamentos se misturavam e se transformavam na figura envelhecida de um labirinto. Não sabia pra onde correr e nem se queria voltar. Queria ficar no meio do caminho, assim, intacta.